quinta-feira, 27 de setembro de 2007

"La señora del Paraguas Rojo!"


"Las aventuras de un pinche en Barcelona" (2)

Se existe alguma razão para um pinche não desistir, nem entrar em parafuso e promover uma tragédia na cozinha onde trabalha desesperadamente, essa razão deve ser o dia de folga. Pelo menos era essa a minha razão. No dia de folga, que na verdade começa na noite anterior quando aquele carrancudo ajudante de cozinha dá lugar a um sujeito alegre e descontraído, tudo pode.

Ao contrário da ditadura imposta pelos Chefs de cozinha, no dia de folga quem manda é o pinche. Mas para aproveitar a tão esperada e saborosa folga, obviamente o camarada tem que estar trabalhando. Até porque desempregado vive de folga. Decerto uma folga azeda, com gosto de comida estragada. Mas se não está trabalhando, está de folga.

Então, dá-lhe a procurar emprego. Aí é sempre a mesma coisa: ônibus, metrô, trem, pé no chão... Muitos e muitos quilômetros depois, o pinche invariavelmente acaba encontrando sua nova casa, com novos hábitos e desafios. Novos? Que nada! O pau come do mesmo jeito em qualquer restaurante no qual ele trabalhe.

Pois foi numa dessas buscas por trabalho que o ex-pinche aqui passou por uma saia-justa daquelas. Foi mais ou menos assim: antes de mudar para Barcelona, li tudo o que podia sobre a catalunha e os catalães. Deu para o gasto e comecei com o pé direito minha relação com esse pedaço do mundo. "Nossa, como você sabe disso."; "Incrível essa sua paixão por um lugar e um povo desconhecido."; "Você já deve ter passado por aqui em outras vidas(!)".

É, o pessoal gostava e se impressionava com minhas opiniões sobre eles e minha desenvoltura sempre que assuntos como culinária, história e a Nova Espanha (lembre-se, estamos em 1989) eram postos na mesa. De tudo que li, o que mais gostei foi um livrinho de bolso, um guia turístico de Barcelona, que de pequeno só tinha mesmo o formato. Era um gigante em informações que devorei nas semanas anteriores e durante todo o vôo naquele MD-11 da Vasp que me levou do Rio a Barcelona. Chamava-se Petit Guia de Barcelona. Em cada página uma dica precisa. Cento e cinqüenta páginas, cento e cinqüenta dicas.

O Petit Guia era tão especial e inusitado que, em 1990, o então prefeito de Barcelona Pasqual Maragall (um sujeito bacana, quatro vezes eleito prefeito da cidade e que a preparou para as Olimpíadas de 92) o elevou à categoria de melhor guia turístico já escrito sobre Barcelona. E sem uma única foto sequer! Só textos e pequenos desenhos em nanquim. Pena que o esqueci no MD-11.

O autor do guia, Francesc Petit, é um dos grandes nomes da propaganda brasileira. Ele é o "P" da talentosa e tradicional agência brasileira DPZ. Além do "P" ainda tem o "D" de Duailibi e o "Z" de Zaragoza. Ambos são sócios do Petit e, juntos, transformaram para melhor a propaganda brasileira a partir da década de 60. Petit é espanhol, Catalão de Barcelona, é profundo conhecedor de inúmeros assuntos e tem a prosa pra lá de envolvente. O fato é que o homem tem milhares de histórias encantadoras para contar. E quando o assunto é Barcelona, então, ele "é o cara".

E o pinche com isso? Você já vai entender. Enquanto seguia pelas ruas de Barcelona procurando emprego, a recorrente lembrança de uma dica do Petit Guia parecia querer me convencer de que eu merecia algum tipo de punição por ter esquecido o guia no avião. Afinal, eu me encantara com a dica de um bar e restaurante especial: El Paraigua ("o guarda-chuva" em catalão). Acontece que não tinha a menor idéia do seu endereço. Não anotei nem memorizei e ainda por cima estava sem a assessoria do meu pequeno guia. Então seria na sorte. E não é que achei! Na fachada, o nome adaptado e traduzido para o espanhol: El Paráguas Rojo ("o guarda-chuva vermelho").

Petit contava que o Paraigua é uma edificação centenária, construída em 1564 para abrigar um colégio de freiras. Alguns séculos depois os novos proprietários transformaram o local em um bar e fizeram da sua decoração, arquitetura e cardápio pontos fortes de uma casa de tons modernistas e renascentistas que atrai a freqüência de intelectuais e artistas. E mais: ele é um dos poucos bares da cidade, por incrível que possa parecer, que ficam abertos até as 3 da manhã oferecendo um mix de produtos de alto padrão. Então entrei.

Apesar de ainda estar claro na rua, o bar estava bem escuro. Apenas seis pequenas luminárias na forma de sombrinhas femininas colocadas sobre o enorme balcão de madeira de lei e um lustre de aspecto vitoriano iluminavam o local. Não tinha ninguém no bar. Provavelmente pelo horário tão prematuro para uma happy hour. Entusiasmado com o golpe de sorte, sentei no banquinho e pedi a fantástica cerveja vermelha Voll Damm ali mesmo no balcão. Logo no primeiro gole comecei a notar algo estranho.

O cheiro forte de estofados e tapetes pesados era uma mistura de fumaça de cigarro, mofo, poeira e perfumes baratos. O barman, com seu fino bigode, gravata borboleta e suspensórios, parecia um personagem saído daquelas histórias de cabarés franceses itinerantes que faziam a alegria da rapazeada no início do século XIX. E aquele sujeito gigante ali na saída do bar? Leão-de-chácara em um local tão descolado?

No terceiro gole percebi, já com a retina adaptada à pouca luminosidade, a total ausência de charme do local e uma misteriosa e feia escada em caracol levando ao andar de cima. Tudo bem, gosto é gosto e o Petit pode ter o dele assim meio peculiar... Mas e a construção? De centenária não tinha nada. Tava tudo errado.

De repente, surge ao meu lado, vinda pela escada em caracol, uma senhora loura, sobre saltos enormes e vestida apenas de espartilho e shortinho rasgado na parte de trás. Seria até uma bela visão se ela não aparentasse uns 50 anos. Ou mais! A ficha cai e fica evidente que entrei em um prostíbulo.

Enquanto tentava explicar o mal-entendido citando a dica do guia e a minha confusão entre dois nomes tão parecidos, eu driblava as investidas daquela profissional dizendo que eu era apenas um pinche em busca de emprego.

A desinibida senhora loura de espartilho, shortinho e saltos enormes afirmou que não conhecia esse tal de Petit e que não gostava de homens com aquilo petit. Baixaria! Paguei minha cerveja e saí. Ou melhor, tentei sair. Na porta, o Leão-de-Chácara me exigiu o pagamento de "consumação" mínima. A conta: 8 mil pesetas (o equivalente hoje a 50 euros)! Paguei e saí apressado. Mas ainda deu tempo de escutar, vindo lá do fundo do bar, a mulher dizendo que ela tinha uma vaga para pinche. Quem sabe em outra vida, pensei. Nunca mais esqueci aquele meu dia de folga e nem aquela señora del Paraguas Rojo. Foi mal, Petit!


7 comentários:

Anônimo disse...

Esta primeira experiência aparenta ser uma pegadinha que esta cidade, tão dada a surpresas, lhe presenteou como boas vindas. De gosto duvidoso, é verdade, mas ela soube recuperar-se com o passar do tempo, apesar de eventualmente pregar novas peças ao visitante, só para certificar-se que ele tá esperto.
Um abraço Duzão.

Anônimo disse...

Oi Anônimo.

É muito bom saber que o RC já tem um (pelo menos um)leitor(a) assíduo(a). E quanto as peças que Barça pregou, que bem lembrado por você foram diversas, cada uma delas ajudou a aumentar minha paixão pela Cidade Condal que também soube me afagar nas horas que mais precisei.

Obrigado pela presença e pelos elogios.

Volte sempre. Vem mais aventuras de un pinche por aí. E muitos outros relatos e crônicas também. Estou só aquecendo.

Valeu mesmo.

EduH

Anônimo disse...

É, meu caro, a julgar pelas suas histórias, vida pinche é assim mesmo: se dá mal até em dia de folga! Mas podia ser pior. Pelo menos você tava em Barcelona...rs

Um abraço!!

Anônimo disse...

Não é um só o leitor assíduo. Mas os leitores assíduos anseiam por mais histórias.

Abraço,

Pablo
http://cadeorevisor.wordpress.com

Anônimo disse...

Como assim só um leitor assíduo?!?! E euzinha aqui?!?! Esse episódio do Paraguas não tinha também um anão ou corcunda?! Acho que você tá filtrando os fatos!!!

Petons,
Silvia

Anônimo disse...

Colé Duzão !!!
Quem diria hein... de Casa Rosa, em Laranjeiras, à Paraguas Rojo em Barcelona...
Muito legal seu blog... sinto assim como um confessionário, só que sem penitências... e ainda com comentários dos comparsas(Carcará, Silvinha, etc.).
Vou aguardar ansiosamente o conto da garrafa de whisky que levou todo seu salário... rs
Forte abraço !
Cacá.

EC disse...

Agradeço divulgação do evento e será bem vinda na participação no natal dos bloguistas