sexta-feira, 21 de setembro de 2007

"¡Lléguêmo!" (Las aventuras de un pinche en Barcelona – 1)


Hola. ¿Qué tal?
– Bien, ¿y tú?
– Muy bien, gracias.
– ¿Cómo te llamas?
– Eduardo
– No, no, no... tu nombre és Pinche.
– ¿Y el nombre tuyo?
– Me llamo Cumim.
– !

Poucas conversas na minha vida foram tão esclarecedoras. Em segundos descobri que ali no Sibarit Restaurant eu não tinha nome. Tinha função. Meu interlocutor chamava-se Paco e ele não era tão antipático como pode ter parecido. Isso eu descobri algum tempo depois. Assim como eu, ele também estava na base da cadeia alimentar só que dos maitres, garçons, assistentes e ajudantes. Ser cumim é praticamente a mesma coisa que ser pinche mas com um requinte de crueldade: tem que usar gravata borboleta e avental. No salão do restaurante, ele não anota pedidos, não fala com os clientes nem os clientes se dirigem ao cumim. Apenas recolhe pratos, talheres e copos deixados para trás pelos clientes além de arrumar as mesas e cadeiras. Enfim, estávamos na mesma canoa furada. Com uma diferença: o cumim, digo Paco, queria ser bombeiro. E eu queria me divertir.

Já o Sibarit Restaurant estava nem aí para nós. Inaugurado em 1986 e com apenas três anos de vida ele já se firmava como uma referência da sofisticada nova gastronomia catalana e internacional que encantava os gourmets da cidade. Localizado até hoje na acolhedora calle Aribau, nº 65, fica distante apenas duzentos metros da Universidade de Barcelona que, desde 1882, funciona em um edifício histórico belíssimo no centro do Eixample (bairro construído na segunda metadade do século XIX e que expandiu a cidade para além dos seus limites medievais). Mas voltemos ao Sibarit.

Com apenas dez mesas, ele parecia um local de pouco trabalho. Engano meu. E do cumim. Ali a busca pela perfeição gerava um uma faena insana. E nem podia ser diferente. Suas carnes de caça como lebre e javali, seu Bife Tartar e seu Steak de peixe ao caviar de robalo exigiam absoluta atenção. Bom para os clientes que ainda podiam escolher belos vinhos de la Rioja, Ribera del Duero e Albariño para acompanhar tantas delícias. E nós, nas omeletes, risotos, peixinhos, pratos simples e "vinhos da casa". Dá para entender porque o dia de folga era tão aguardado.

Foi numa das minhas primeiras folgas que eu, o pinche, e Paco, o cumim, saímos com meu velho amigo Fernando Arenas – que aproveitava uma longa jornada turística em Barcelona. Resolvemos conhecer os arredores dessa Cidade Condal. Do passeio me lembro pouco. Fomos a uma cidadezinha que abrigava um parque ecológico muito visitado inclusive nos dias de semana (sim, porque folga de pinche e de cumim só nas segundas ou terças). O passeio teve direito a trem elegante na ida e na volta, paisagens deslumbrantes e boas comida e bebida. Lembro que o Fernando estranhou um pouco o Paco com seu jeito certinho, cabelo engomado, pisante importado e de fala exageradamente correta para alguém tão jovem.

De fato, se você parasse para observar, o camarada tinha um linguajar que não combinava. Coisas como usar "consigo" ao invés de "com você", "seguir adiante" ao invés de "vamos nessa" ou ainda "hacer el amor" ao invés de "follar". O cumim, digo Paco, tinha 21 anos mas falava como um idoso. Falava muito bem, é verdade, mas enchia a paciência com suas sistemáticas intervenções nos vocabulários alheios. Enfim, de tão pequena, a cidade deu o que tinha que dar lá pelas cinco da tarde. Tomamos duas saideiras e pegamos o trem de volta para Barça.

Nosso destino era a estação Plaza Espanya. Quando o trem começou a diminuir sua velocidade para estacionar em nossa parada levantei-me e, como se quisesse exorcisar o Cervantes que possuía a alma do meu novo amigo cumim, digo Paco, bradei com um exageradíssimo sotaque nordestino: "Lléguêmo"! Instantaneamente o Fernando começou a rir pois isso lembrava uma antiga piadinha interna da nossa turma lá no Rio de Janeiro que, de tão tola, não merece nem ser explicada a você.

Acontece que o nosso jovem Cervantes, digo cumim, digo Paco, tomou as dores por achar que Fernando ria de minha ignorância no idioma de Quixote. Enquanto um irritante sinal sonoro nos avisava que as portas fechariam a qualquer momento, nosso preocupado Paco me corrigiu: "¡Qué no, Eduardo!... El correcto és 'llegamos' o entonces 'hemos llegado". Não resisti. E com um sotaque nordestino ainda muito mais exagerado repeti minha frase com aquela pinta de quem aprendeu a lição: "OK... hêmos lléguêmos"! A gargalhada tomou conta do vagão que a essa altura já corria sobre os trilhos buscando a próxima estação.

Fomos parar de rir umas quatro estações depois. Eu e Fernando, rindo da piada certa na hora certa. E ele, provavelmente, rindo daqueles dois pobres Sanchopanças.

2 comentários:

Anônimo disse...

citar piada e não contar é crueldade... pode contar aí!!!

histórias deliciosas. Quero mais.

beijos

larissa

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!! Duzão, essa ficou pra história!! Vocês devem se lembrar bem das minhas gargalhadas quando você contava!!!