quinta-feira, 20 de setembro de 2007

"Las aventuras de un pinche en Barcelona"


Cozinha de restaurante é um dos espaços mais frenéticos que já conheci. Funciona na base do corre-corre. Geralmente decorada em aço inox e com uma infinidade de utensílios pendurados, ela é local onde tudo queima, tudo corta, tudo é intocável, tudo tem sua hora.

Na cozinha o Chef manda e a equipe obedece. Acho que até as cebolas assadas, cenouras raladas, alfaces, tomates, batatas-fritas, carnes, peixes, massas e sobremesas em geral prestam obediência a ele, o comandante. Chef é Chef porque sabe mais, é mais criativo, tem mais experiência ou, em determinadas casas de categoria duvidosa, porque não tinha ninguém melhor ou mais barato que aceitasse a missão. De qualquer forma, é o Chef que orienta o destino de todos aqueles que tentam sobreviver nesse pedacinho de Saigon que é uma cozinha de restaurante. E só os fortes sobrevivem.

Na equipe do Chef tem de tudo: cozinheiros, cozinheiros assistentes, o cara dos molhos, o cara das carnes, o das massas, os ajudantes e o pinche – infelizmente o ajudante de cozinha mais insignificante de uma casa dedicada a oferecer os prazeres da boa mesa. Não tem jeito: se é pinche, é escravo. Faz de tudo, muito e para todo mundo. Ninguém abaixo dele. Só acima. O primeiro na cadeia alimentar. Uma espécie de doador universal de sangue, suor e, muitas vezes, lágrimas. O pinche é também um receptor universal. Só que de broncas, horas extras e trabalhos sujos como limpar o chão escorregadio, limpar aquela gordurinha presa no teto e limpar peixes (as escamas são impertinentes e fazem questão de grudar no teto recém esfregado pelo pobre pinche).

É sempre assim. Quando não está descascando batatas, lavando louça ou empilhando mercadorias, o pinche está limpando, limpando, limpando. É quase uma paranóia. Mas existem jovens que até acham um mal necessário (e por isso mesmo mais suportável) ser pinche. Esses são os que apostam em um futuro brilhante pilotando fogões em casas de sucesso a partir do aprendizado adquirido no campo de batalha onde enfrentaram as chamas do filé flambado, o furor das patatas bravas, a força das tapas bascas e a resistência das ensaladillas russas. São jovens soldados rasos que sonham em chegar a coronel e ter na lapela uma condecoração na forma de estrela do Guia Michelin.

Sonhar, afinal, não paga imposto. Ainda assim, nunca fui um desses sonhadores. Até porque, quando... ops! Desculpe. Esqueci de contar: eu fui pinche! Verdade. Foi na temporada de Primavera-Verão entre os anos de 89 e 90, em Barcelona, Espanha. Foi dureza mas foi muito divertido. Rendeu algumas amizades, uma rápida e bem-vinda fluência no idioma espanhol e intimidade com o idioma catalão.


Daqueles corajosos fornos e fogões vi nascer fantásticas receitas que empanturravam o apetite dos clientes e os bolsos dos nossos patrões. Histórias deliciosas também nasceram alí no meio daquela rotina que beirava a histeria. Histórias que retratam com bom humor e descontração as aventuras de um pinche pelas cozinhas, ruas, praças e bares de Barcelona. E, seguindo sugestões postadas aqui no Relógio de Corda, algumas dessas histórias vou contar a partir de hoje na série Las aventuras de un pinche en Barcelona. Divirta-se!

Um comentário:

Anônimo disse...

Genial Duzão, só vc para resgatar momentos com essa ironia que Barça só fez acentuar. Aguardamos ansiosamente outros causos.
Um abraço.